Resolvi falar de saudade hoje porque fui acometida de um ataque de muitas saudades. Não um saudosismo chato. Uma saudade que é carinho. Faz ver a graça da vida. Ou a cor. Vermelho, por exemplo. Vermelho era a cor do vestido da minha boneca de pano. Tinha outras bonecas, umas que faziam isso, outras que faziam aquilo, mas eu gostava mesmo da minha espaventada boneca de pano. Em certa data esqueci a boneca na cada da minha vó, num daqueles domingos de primos, árvores e correria. De noite, já em casa, na hora de dormir, cadê a boneca? Abri o berreiro, _ como uma coisa dessas podia ter acontecido? _ eu tê-la esquecido? Meu pai ficou com tanta dó que lá se foi, noite alta já, voltar à casa da minha vó buscar a boneca pra eu dormir feliz. Tenho umas fotos com ela do lado, sempre rindo e me ensinando a sorrir também. Aprendi muito com ela, principalmente as coisas mais simples.
São tão pequenas as coisas que despertam saudades… Geralmente têm a ver com gente, com carinho, com abraço. Feito o jeito como ele segurou a minha mão, o brilho daquele olhar, a vertigem de me ver apaixonada, tudo assim, meio do nada. Estou com saudade de ficar ouvindo o dia inteiro a mesma música e com saudade daqueles sentimentos primaveris de que são feitos os inícios. E saudade do mar, que tenho sempre, mesmo quando estou junto dele. Tenho saudades das minhas tias reunidas na cozinha pra fazer nuvens de claras em neve no fogão à lenha da casa da minha outra vó. Tudo tão quentinho. Tenho saudades dos sons daquele dia. Som de família. O que me faz ter saudade do meu avô que gostava de assistir novela e jogar xadrez até as mais altas horas da noite. Todo santo dia.
Tenho saudades das ruas mais livres e das calçadas mais cheias das crianças que nós éramos, a brincar. A namorar. Saudade de portão com tramela, brancos, verdes, sempre ladeados por canteiros de flores miúdas e rosas graúdas. Saudade de não ser gente adulta, de chorar por besteira, de ter a ilusão de que o mundo está ao alcance das mãos, essas certezas que só a pouca idade nos dá. Tenho saudade até de mim, o que é o máximo de saudade que se pode sentir. Tenho saudade mesmo é de morrer de rir.
Desconfio que a saudade sabe exatamente a hora de chegar. Normalmente ela surge de mansinho, quando as cores estão ficando pálidas, e também as vontades, e parece que faltam mil pingos nos “is”. Feito quando estamos ocupados demais, apressados demais, fechados demais, distantes demais. E o coração aperta, e os olhos ficam perdidos num vazio de quase nada, e a pele parece estranhar o toque de tão fragilizada. E a gente se vê pequeno. Outra vez! E de quando pequenos, vem-nos as imagens de todo aconchego. E de todo aconchego, vem-nos a sensação de tantas coisas boas vividas. A saudade instala-se. E vem pra salvar o dia. Vem para avisar, para curar, para acarinhar. Vem para lembrar que a vida é boa e que é hora de sair do buraco. Pelas mãos da saudade a gente volta a sorrir. Sorrir para o que já foi e para tudo que para sempre será!
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